O livro de Gênesis é mais do que apenas um relato das origens; ele é a fundação da fé cristã e das doutrinas bíblicas. Em suas páginas, encontramos as respostas para questões essenciais sobre a existência, a criação e o relacionamento do homem com Deus.
Augustus Nicodemus afirma que “talvez não exista um livro da Bíblia tão relevante para os nossos dias como o livro de Gênesis, que, como o próprio nome indica, é o livro dos princípios”.¹
Gênesis revela a origem do universo, da humanidade, do casamento, do pecado, do mal e de tantos outros temas fundamentais para a compreensão da Bíblia como um todo. Nesse sentido, Hernandes Dias Lopes destaca que “Gênesis é o livro mais estratégico para entendermos os demais livros da Bíblia”.³
Com Gênesis, encontramos a base para a moralidade, a redenção e a própria história da humanidade. No entanto, apesar de sua importância, Gênesis também é o livro mais questionado e atacado, tanto por céticos quanto por teólogos progressistas, especialmente quanto à sua historicidade e autoria.
O DEBATE SOBRE A AUTORIA DE GÊNESIS
A questão sobre quem escreveu Gênesis tem sido alvo de debate por séculos. A visão mais tradicional, tanto no judaísmo quanto no cristianismo, atribui a autoria a Moisés, considerando-o o autor não apenas de Gênesis, mas de todo o Pentateuco, os cinco primeiros livros da Bíblia.
Essa visão é apoiada por várias passagens bíblicas e pela tradição, que sustentam que Moisés recebeu revelações de Deus enquanto guiava o povo de Israel pelo deserto.
Por outro lado, a chamada hipótese documentária surgiu durante o Iluminismo, no século XVIII, e questiona essa autoria. Segundo essa teoria, o Pentateuco seria uma obra composta por múltiplos autores anônimos ao longo de várias gerações, resultando em uma obra "mosaico" (um jogo de palavras que implica a falta de um autor único, mas sim uma compilação de vários escritores).
A hipótese documentária propõe que diferentes nomes de Deus, como "Elohim" e "YHWH" nos primeiros capítulos de Gênesis, indicariam fontes distintas. Jean Astruc, um médico francês, sugeriu que a variação de termos apontaria para múltiplos autores. Esse ponto de vista ganhou força entre estudiosos liberais e ainda hoje é defendido em círculos acadêmicos.
ARGUMENTOS DA HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA
Os defensores dessa teoria apontam alguns elementos que, segundo eles, indicariam múltiplos autores. Aqui estão alguns dos principais argumentos:
- Nomes de Lugares e Datas: Gênesis 14.14 menciona a cidade de "Dã", mas esse nome só foi dado à cidade nos dias dos juízes (Jz 18.29). Isso sugere uma escrita ou edição posterior para facilitar o entendimento dos leitores da época.
- Uso de Diferentes Nomes de Deus: O uso de “Elohim” (Deus) em Gênesis 1 e “YHWH” (SENHOR) em Gênesis 2 levou estudiosos a acreditarem que pelo menos duas fontes distintas contribuíram para o texto.
- Referências Temporais Anacrônicas: Gênesis 36.31 menciona os reis de Edom que reinaram “antes que reinasse rei algum sobre os filhos de Israel”, o que parece ter sido escrito após o estabelecimento da monarquia em Israel (I Sm 8.5). Isso também sugeriria uma escrita ou adição posterior.
- Narrativa em Terceira Pessoa: A descrição de Moisés em terceira pessoa em Êxodo, Levítico e Números contrasta com a narrativa em primeira pessoa no livro de Deuteronômio, o que, segundo alguns, indicaria múltiplos autores.
Esses elementos, somados, formaram a base da hipótese documentária, sugerindo que o Pentateuco é o resultado de uma colaboração entre várias fontes ao longo do tempo.
CONTRAPONTO AOS ARGUMENTOS DA HIPÓTESE DOCUMENTÁRIA
Os argumentos apresentados pela hipótese documentária merecem análise, mas não implicam necessariamente que o Pentateuco tenha múltiplos autores. Vamos examinar algumas respostas a esses pontos.
Uso de Diferentes Nomes de Deus:
A variação entre os nomes "Elohim" e "YHWH" nos primeiros capítulos de Gênesis é um dos pontos levantados pela hipótese documentária. No entanto, essa diferença não implica, por si só, a presença de múltiplos autores.
A alternância nos nomes de Deus possui uma razão teológica: "Elohim" enfatiza o poder de Deus como Criador e soberano sobre toda a criação, enquanto "YHWH" revela Seu relacionamento pessoal e de aliança com o homem. Essa mudança não é um sinal de autoria múltipla, mas uma escolha consciente para destacar diferentes aspectos do caráter e do agir divino para com a humanidade.
Menção da Cidade de “Dã” e Reis de Edom:
Outro argumento é a menção de “Dã” em Gênesis 14.14, um nome dado à cidade apenas na época dos juízes. No entanto, essa questão pode ser resolvida ao considerarmos o papel de Moisés como profeta.
Assim como Isaías previu o surgimento de Ciro como governante séculos antes de seu nascimento, Moisés, inspirado por Deus, poderia ter usado o nome da cidade que seria compreensível para os leitores futuros. Além disso, Moisés já sabia que Israel teria reis no futuro (Dt 17.14-20), o que explica a menção dos reis de Edom “antes que houvesse rei em Israel”.
Estilo de Escrita ao Longo do Pentateuco:
Algumas críticas à autoria mosaica se baseiam nas variações de estilo de escrita ao longo do Pentateuco. No entanto, essas mudanças podem ser facilmente explicadas pelo longo período em que os textos foram produzidos.
Moisés passou cerca de quarenta anos escrevendo e compilando o Pentateuco, e é natural que seu estilo evoluísse ao longo do tempo. Como ocorre com qualquer escritor, seu estilo pode ter sido aperfeiçoado e adaptado conforme ele escrevia, especialmente em resposta às diferentes circunstâncias e propósitos de cada parte.
A BÍBLIA E A AUTORIA MOSAICA
A Bíblia, no entanto, apresenta de forma clara fortes indicações de que Moisés foi o autor do Pentateuco. Em várias passagens, encontramos referências diretas à escrita de Moisés, não apenas no Antigo Testamento, mas também no Novo Testamento. Alguns exemplos incluem:
- “E Moisés escreveu todas as palavras do Senhor...” -- Êxodo 24.4
- “E escreveu Moisés as suas saídas, segundo as suas jornadas, conforme o mandado do Senhor...” -- Números 33.2
- “E Moisés escreveu esta Lei...” -- Deuteronômio 31.9
Além desses versículos, há diversas outras referências no texto sagrado que atribuem a autoria a Moisés. Daniel 9.11, Esdras 3.2 e passagens dos Evangelhos (como João 1.17 e Marcos 12.19) confirmam a tradição mosaica.
Se aceitarmos a Bíblia como inerrante e inspirada, esses testemunhos internos são suficientes para sustentar a autoria mosaica.
Além disso, o próprio Senhor Jesus, em Lucas 16.31 e João 5.46, também se refere a Moisés como autor do Pentateuco, o que elimina qualquer dúvida.
PROPÓSITO E OBJETIVO DE GÊNESIS
Gênesis não é apenas um registro histórico; ele possui objetivos profundos, especialmente para o povo de Israel. Seus primeiros leitores foram os israelitas que caminhavam pelo deserto rumo a Canaã, enfrentando a influência de culturas pagãs e desafios físicos e espirituais. Através de Gênesis, Deus:
- Reorienta a Visão de Mundo dos Israelitas: Em contraste com as crenças egípcias, que atribuíam divindade ao sol, ao Nilo e a outros elementos da natureza, Gênesis declara que Deus é o Criador único e soberano de todas as coisas. Isso ajudava os israelitas a abandonarem práticas idólatras.
- Explica a Origem das Leis e Costumes: Gênesis oferece o fundamento de várias leis, incluindo a guarda do sábado, que remonta ao descanso de Deus no sétimo dia. Esse contexto reforçava a observância e a importância da adoração e obediência à vontade do Senhor.
- Legitima a Conquista de Canaã: O relato dos pecados dos cananeus justifica a ação de Deus em entregar a terra a Israel, mostrando que a invasão não era arbitrária, mas uma resposta do julgamento divino sobre aqueles povos conquistados por Israel.
- Afirma a Superioridade de Deus sobre os Deuses Pagãos: O fato de Gênesis apresentar o sol, a lua e as estrelas como criações de Deus desfaz a ideia de que esses elementos naturais fossem divindades. Israel podia confiar que Yahweh, o Deus verdadeiro, era superior a todos os deuses de Canaã e do Egito.
Esses objetivos tornavam Gênesis fundamental para moldar a identidade e a fé de Israel. Ao entender suas origens, os israelitas fortaleciam sua confiança no Deus que os conduzia.
CONCLUSÃO: A RELEVÂNCIA PERMANENTE DE GÊNESIS
Gênesis não é apenas o livro das origens; ele é o alicerce de toda a Bíblia. Nele, encontramos as bases para doutrinas fundamentais, como a criação, o casamento monogâmico, a Queda do homem, a promessa da redenção e os pactos de Deus com a humanidade. Através de suas páginas, Gênesis conecta o passado com o futuro, revelando o plano de Deus desde o início.
A hipótese documentária e outras teorias contrárias à autoria mosaica têm valor como ferramentas de análise, mas elas não alteram a fé que temos na inerrância das Escrituras.
Moisés foi, de fato, o autor do Pentateuco, e sua obra, inspirada por Deus, permanece como uma verdade imutável.
Estudar Gênesis é essencial para compreender a história bíblica e construir uma fé sólida. Como afirma Del Tackett, “nada no mundo faz sentido, exceto à luz do Gênesis”⁴. Portanto, que possamos estudar, meditar e aplicar as lições de Gênesis, reconhecendo seu valor eterno para nossa vida e fé.
Christo Nihil Praeponere – “A nada dar mais valor que a Cristo.”
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