Pular para o conteúdo principal

O QUE SÃO LIVROS APÓCRIFOS? DOUTRINAS, ERROS E POLÊMICAS

Uma descrição alternativa para a imagem:  "Homem vestido com roupas formais e chapéu preto, com maquiagem de caveira estilo 'Dia de los Muertos', olhando seu reflexo em um espelho. Ao seu lado, uma mulher também com maquiagem de caveira e vestindo vermelho, refletida no espelho ao seu lado. A expressão nos rostos é séria, com detalhes florais nas maquiagens, típicos das celebrações do 'Dia de los Muertos'."
No estudo anterior exploramos o cânon do Antigo Testamento e vimos que, após a morte do profeta Malaquias, iniciou-se o período do chamado “Silêncio Profético”, também conhecido como período interbíblico.

Foi durante essa época que os livros apócrifos surgiram, mas o que significa, afinal, o termo apócrifo? Por que esses livros são designados dessa forma? E em que sentido suas doutrinas divergem dos ensinamentos encontrados nas Escrituras Sagradas? Estas perguntas compõem o cerne da lição de hoje.

Se você ainda não leu o estudo anterior, recomendo que o faça (clicando aqui), pois é essencial para compreender plenamente o conteúdo que vamos abordar.

INTRODUÇÃO


A Bíblia Católica, diferentemente da Bíblia Protestante, contém 73 livros, incluindo acréscimos em Daniel e Ester. Mas a que se deve essa diferença? Ela resulta do fato de que, na Bíblia Católica, foram incorporados alguns livros que não integram o cânon hebraico original.

No contexto católico, esses livros são conhecidos como “deuterocanônicos” (do grego, “segundo cânon”), enquanto que, na tradição protestante, são chamados de “apócrifos” (do grego, “oculto” ou “escondido”).

A adoção dos livros apócrifos pela Igreja Católica foi formalizada durante o Concílio de Trento, como parte do movimento de Contrarreforma no século XVI. Esse reconhecimento oficial representa uma distinção teológica importante entre católicos e protestantes, uma vez que os apócrifos não são reconhecidos no cânon hebraico nem citados por Jesus ou pelos apóstolos.

Além de não terem sido considerados canônicos no judaísmo antigo, esses livros apresentam diferenças teológicas e práticas em relação aos textos inspirados da Bíblia Hebraica, o que levou Jerônimo, tradutor da Vulgata, a recomendá-los como leitura, mas não como doutrina.

Em sua visão, esses textos careciam de autoridade espiritual. De fato, os apócrifos não só apresentam inconsistências históricas e geográficas, como também defendem doutrinas e práticas que divergem das Escrituras. Vejamos alguns exemplos dessas divergências doutrinárias.

DIFERENÇAS TEOLÓGICAS E “HERESIAS APÓCRIFAS”


Para começar, é importante destacar o testemunho de I Macabeus, um dos livros apócrifos, que reconhece explicitamente a ausência de profetas em seus dias: "A opressão que caiu sobre Israel foi tal, que não houve igual desde a época em que tinham desaparecido os profetas" (9.27).

Esta declaração sugere que o próprio autor não tinha a expectativa de que seu texto fosse considerado Escritura.

Esse reconhecimento, reiterado em II Macabeus, onde o autor admite acerca de seu próprio livro: "Se o fiz bem, de maneira conveniente a uma composição escrita, era isso que eu queria; se fracamente e de modo medíocre, é o que consegui fazer" (15.37-38), é incompatível com a ideia de inspiração divina que marca os textos canônicos, como afirmaram os apóstolos Pedro e Paulo ao falarem da origem divina das Sagradas Letras.

Outro exemplo está em Eclesiástico, livro que, embora não deva ser confundido com o canônico Eclesiastes, também assume seu caráter de obra humana. No prólogo de Eclesiástico o autor sugere que seu texto seja lido com “benevolência” e pede perdão por eventuais imprecisões.

Este tipo de linguagem indica que o autor via seu trabalho como um comentário sobre a sabedoria bíblica, mas não como revelação divina. Nesse sentido, os próprios textos apócrifos se colocam como inferiores, reconhecendo-se como interpretações humanas do Antigo Testamento.

CONTRADIÇÕES TEOLÓGICAS E PRÁTICAS: ANÁLISES DETALHADAS


1. O Anjo que Mente

No livro de Tobias, um dos apócrifos, encontramos uma narrativa peculiar na qual o anjo Rafael mente ao se identificar como "Azarias, filho de Ananias” (5.10-14). Este relato levanta questões sobre a natureza da verdade e a fidelidade de um ser angélico à vontade de Deus.

Na perspectiva das Escrituras canônicas, Deus é a própria verdade e não há espaço para a falsidade na comunicação divina, o que torna essa passagem incompatível com o entendimento tradicional de santidade e veracidade nas Escrituras.

2. Magia e Salvação Pelas Obras

Outro ponto questionável ocorre quando o anjo Rafael ensina a Tobias práticas de cura e exorcismo usando partes de um peixe (Tobias 6.4-9), algo que não encontra paralelo nos métodos de cura ou de expulsão de espíritos registrados no Antigo ou Novo Testamento.

Adicionalmente, o livro de Tobias apresenta a esmola como um meio de salvação: “A esmola livra da morte e limpa de todo pecado” (12.8-9). A salvação pelas obras é uma doutrina rejeitada pela teologia protestante, que enfatiza a salvação pela graça, mediante a fé (cf. Ef 2.8-9).

3. Oração pelos Mortos e Intercessão dos Mortos

O livro de II Macabeus sugere a prática de orar pelos mortos para a remissão de seus pecados (12.43-46). O texto afirma que “é um santo e salutar pensamento orar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados e faltas”.

Esta prática, bem como a doutrina católica de intercessão dos santos, encontra oposição direta no cânon hebraico e nas epístolas paulinas, que enfatizam que a salvação e o perdão são questões individuais e não atribuíveis por terceiros após a morte.

Além disso, o livro de Baruque vai além e ensina que os próprios mortos intercedem pelos vivos: “Escutai a prece dos mortos de Israel” (3.4). A teologia protestante não reconhece essa intercessão, e esses versículos destoam da tradição bíblica protestante sobre a relação entre vivos e mortos.

4. Exortação à Violência e Maus-Tratos

No livro de Eclesiástico encontramos um ensinamento que incentiva a violência, por exemplo, ao orientar que o bem não seja estendido ao pecador: “Dá ao homem bom, não ampares o pecador” (12.4-7).

Esse ensinamento contradiz o mandamento bíblico de fazer o bem a todos, inclusive aos inimigos, conforme ensinado por Jesus e Paulo: “Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer…” (Rm 12.20).

Ademais, Eclesiástico instrui os leitores a maltratar escravos: "Golpeie as costas de um escravo ruim até sangrar" (42.5). Este tipo de ensinamento vai na contramão dos ensinamentos de Jesus, que nos ordena amar ao próximo como a nós mesmos.

5. Doutrina da Pré-Existência da Alma

O livro de Sabedoria afirma: "Eu era um menino vigoroso, dotado de uma alma excelente, ou antes, como era bom, eu vim a um corpo intacto" (8.19-20). Esse conceito de pré-existência da alma é estranho à teologia bíblica, que não ensina a ideia de uma alma existente antes do corpo.

CONCLUSÃO


Ao abordarmos os livros apócrifos, estamos tratando de textos cuja autenticidade espiritual é questionada tanto por razões históricas quanto teológicas. Esses livros nunca fizeram parte do cânon hebraico e foram escritos durante o período chamado de Silêncio Profético.

Como vimos, eles próprios não reivindicam o status de revelação divina. Ao longo de nossa análise, observamos que os livros apócrifos contêm doutrinas e práticas em desacordo com as Escrituras inspiradas pelo Espírito Santo.

Dado esse contexto, Jerônimo foi sensato ao designá-los como "apócrifos", um termo que, em sua raiz, reflete sua natureza “oculta” e questionável como base para doutrina. Que, como cristãos, possamos, acima de tudo, buscar a verdade revelada nas Escrituras, lembrando sempre do lema:

“Christo Nihil Praeponere – A nada dar mais valor que a Cristo”.


Obs: Se este site tem abençoado sua vida, considere fazer uma doação de R$ 1,00. Todo recurso, por menor que seja, faz uma grande diferença e nos ajuda a cobrir os custos de manutenção e expansão deste projeto. 

Banco: Sicoob. Nome: Rodrigo H. C. Oliveira. Pix: doacaosabedoriabiblica@gmail.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A ORIGEM DO TERMO "BÍBLIA" E OUTROS NOMES QUE DÁ A SI MESMA

A Bíblia é, sem dúvida, o livro mais influente e amplamente distribuído pelo mundo ao longo da história. Mas como esse livro sagrado recebeu o nome "Bíblia", e quais são as diferentes maneiras pelas quais as Escrituras se referem a si mesmas? Como veremos, os escritores bíblicos usaram uma variedade de termos para descrever o texto sagrado, cada um deles refletindo um aspecto único de sua importância cultural e espiritual. Neste artigo, vamos explorar a origem do termo "Bíblia", o contexto de sua evolução e os nomes variados que as Escrituras receberam para si mesmas ao longo da história, revelando a profundidade e a reverência que cercam esse livro santo. O SIGNIFICADO ETIMOLÓGICO DE "BÍBLIA" A palavra "bíblia" tem sua origem no grego antigo e remonta à folha de papiro, uma planta utilizada para fabricar um tipo de papel da antiguidade denominada pelos gregos de  "biblos".  Um rolo de papiro, ou seja, um "livro", era cham...

AS OFERTAS DE CAIM E ABEL: LIÇÕES SOBRE SINCERIDADE E OBEDIÊNCIA

A Bíblia é um livro único, distinto de qualquer outra obra literária. Não se trata de um conjunto de ideias humanas, mas sim de uma revelação divina que chegou até nós pela vontade de Deus. A história de Caim e Abel, relatada em Gênesis, é um exemplo disso. Aparentemente simples, essa narrativa carrega ensinamentos profundos sobre a importância da sinceridade, da obediência e da fé em nossa adoração a Deus. Ao examinarmos com atenção as ofertas desses dois irmãos, descobrimos lições essenciais sobre o que significa oferecer algo ao Senhor e sobre o tipo de adorador que Ele busca. TEXTO-BASE Gênesis 4.4-5 E Abel também trouxe dos primogênitos das suas ovelhas, e da sua gordura; e atentou o Senhor para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caim fortemente, e descaiu-lhe o semblante.   O NASCIMENTO DE CAIM E ABEL Logo após a Queda e a expulsão do Éden, Adão e Eva, em cumprimento à bênção divina de multiplicação, tiveram dois filhos: Caim e...

O ARREPENDIMENTO DE DEUS: UMA REFLEXÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA

O conceito de arrependimento, quando atribuído a Deus, frequentemente gera dúvidas e questionamentos. Afinal, como um Deus imutável pode "se arrepender"? As Escrituras apresentam diversos momentos em que Deus é descrito como tendo se arrependido, como no caso do Dilúvio ou na rejeição de Saul como rei. Por outro lado, a Bíblia também afirma que Deus não é homem para se arrepender. Como conciliar essas ideias sem contradizer a essência divina? Neste estudo, analisaremos profundamente o significado do arrependimento divino, distinguindo entre a imutabilidade de Deus em Seu caráter e as mudanças em Suas interações com a humanidade. Por meio de exemplos bíblicos, compreenderemos como o comportamento humano pode influenciar a aplicação dos atributos de Deus, levando à manifestação de juízo ou misericórdia. TEXTO-BASE Gênesis 6.6,7 Então, arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lhe em seu coração. E disse o Senhor: Destruirei, de sobre a face da terra,...