"Mas, vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei, a fim de recebermos a adoção de filhos" - Gálatas 4.4-5
INTRODUÇÃO
A Epístola aos Gálatas, escrita pelo apóstolo Paulo, apresenta um dos fundamentos mais profundos da fé cristã: a salvação pela graça, mediante a fé, e não pelas obras da lei. Essa Epístola foi escrita para corrigir os cristãos da Galácia, que estavam sendo influenciados por falsos mestres que pregavam a necessidade de observar a lei mosaica para serem aceitos por Deus.
Ao longo da carta, Paulo deixa claro que a justificação – ou seja, o ato de uma pessoa ser declarada justa diante de Deus – é alcançada pela fé em Jesus Cristo, e não pelo cumprimento de regras e rituais.
Para o apóstolo, o retorno à lei é uma rejeição à graça divina, pois a lei, por si só, revela a falha humana e leva o homem à condenação. Ao depender da lei, o homem fica sujeito a uma condenação inevitável, pois, como ele explica em II Coríntios 3.6, a letra mata.
Em outras palavras, a lei expõe o pecado e, assim, condena à morte todo aquele que a transgride (cf. Rm 6.23). Permanecer sob a lei é, portanto, uma forma de escravidão. Contudo, para os que estão em Cristo Jesus, não há mais nenhuma condenação (Rm 8.1). Essa liberdade nos é dada pelo Espírito, que nos vivifica e nos capacita a andar em santidade, libertando-nos da lei do pecado e da morte.
O TEMPO PERFEITO DE DEUS: A PLENITUDE DOS TEMPOS
Paulo nos ensina que essa libertação nos foi concedida por Jesus, o Filho de Deus, que veio ao mundo na “plenitude dos tempos”. Mas o que significa essa expressão? A palavra “plenitude” no original grego, plērōma (πλήρωμα), traz a ideia de preenchimento completo, algo que atinge a maturidade ou que chega ao momento mais adequado.
Deus escolheu o tempo certo para enviar Seu Filho, um momento histórico cuidadosamente preparado para que o Evangelho fosse disseminado com mais eficácia.
O CENÁRIO DO IMPÉRIO ROMANO
Quando Jesus nasceu, o mundo conhecido estava sob o domínio do Império Romano, o que trouxe algumas vantagens específicas para a expansão do cristianismo. Antes de Roma, Alexandre, o Grande, havia conquistado vastos territórios, espalhando a cultura grega por todas as regiões de maneira que o idioma grego se tornou a língua mais falada, um fator decisivo para a comunicação universal.
Após a morte de Alexandre, o domínio romano consolidou-se e expandiu essa unificação. A rede de estradas de Roma, protegida pelas legiões, facilitava o deslocamento e a comunicação entre as cidades.
Essas estradas, muitas das quais somavam até 300 mil quilômetros de extensão, com cerca de 90 mil em excelente estado, possibilitaram que os mensageiros do Evangelho, como o apóstolo Paulo, pudessem viajar e pregar sem enfrentar grandes dificuldades geográficas.
Se Paulo precisasse aprender o idioma de cada região para compartilhar a mensagem de Cristo, suas viagens missionárias seriam longas e extremamente complexas. Mas o grego koinê – a língua franca da época – permitia que ele se comunicasse livremente.
Além disso, o apóstolo era cidadão romano (At 22.28), o que lhe garantia direitos e privilégios, como o de transitar por todas as regiões do Império sem obstáculos e o direito à proteção legal, inclusive contra prisões arbitrárias.
A PAX ROMANA E A EXPANSÃO DO EVANGELHO
Outro fator fundamental foi a pax romana, um longo período de paz e estabilidade que se estendeu aproximadamente de 27 a.C. a 180 d.C. Durante esse tempo, o Império experimentou uma prosperidade que favoreceu as viagens, o comércio e a segurança, reduzindo o número de conflitos armados internos.
Essa paz facilitou o trânsito dos primeiros missionários e permitiu que as igrejas fossem estabelecidas em diversas cidades. Deus preparou, assim, um cenário ideal para que a mensagem de Jesus pudesse ser amplamente divulgada e o Evangelho alcançasse tanto judeus quanto gentios.
Como observa Fritz Rienecker e Cleon Rogers em suas análises sobre o Novo Testamento, “Deus preparou o mundo para a vinda de Seu Filho naquela data específica da história. Isso indica que Deus é Senhor da história e que age neste mundo para levar a cabo Seus propósitos".¹
O PAPEL DE CADA CULTURA NA PLENITUDE DOS TEMPOS
Conforme observa o pastor e comentarista bíblico Hernandes Dias Lopes, três povos tiveram um papel singular na preparação do mundo para a chegada de Cristo. Ele diz:
Os judeus ofereceram ao mundo as Escrituras; os gregos, a língua universal; e os romanos, as leis e as estradas que facilitaram o trânsito célere dos mensageiros e da mensagem de Cristo.²
Esses elementos, trabalhando em conjunto, contribuíram para a rápida expansão do cristianismo e para a consolidação da fé cristã nos primeiros séculos. De fato, podemos ver a mão de Deus sobre a história, orquestrando os eventos e utilizando as conquistas culturais de cada povo para o cumprimento de Seus propósitos eternos.
A plenitude dos tempos é, portanto, o momento em que Deus considerou que o cenário mundial estava plenamente adequado para o envio de Seu Filho, garantindo que a mensagem do Evangelho alcançasse as nações de maneira eficaz.
REFLEXÃO FINAL: CONFIANDO NO TEMPO DE DEUS
Assim como Deus preparou o mundo para a chegada de Jesus, Ele também prepara o tempo certo em nossas vidas para cumprir Suas promessas. Muitas vezes, nos perguntamos por que certas orações não são respondidas imediatamente ou por que enfrentamos obstáculos.
Porém, Deus age na “plenitude dos tempos” de nossa vida, de modo que, ao confiarmos n’Ele, experimentamos a certeza de que o momento perfeito de Deus é sempre o melhor.
Quando olhamos para a história e vemos como Ele preparou o mundo para a vinda de Seu Filho, somos inspirados a confiar em Seu tempo para cada situação. Deus, que controla todas as coisas, certamente também guia a nossa vida e as nossas circunstâncias.
“Christo Nihil Praeponere – A nada dar mais valor que a Cristo”.
FONTE
¹ RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. P. 378.
² LOPES, Hernandes Dias. Gálatas – A Carta da Liberdade Cristã. Hagnos, p. 170.
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