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FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM E SEMELHANÇA

Ilustração representando Adão e Eva no Jardim do Éden, cercados por uma rica fauna e flora, simbolizando a criação divina à imagem e semelhança de Deus
A narrativa da criação em Gênesis 1.26-28 é uma das mais profundas e teologicamente ricas de toda a Escritura. Nela, encontramos a declaração divina de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Mas o que isso realmente significa? Como podemos aplicar essa verdade em nossa vida cotidiana?

Este texto desafia tanto o entendimento humano quanto as ideologias de seu tempo e continua a ser um convite para que cada ser humano reflita sobre sua identidade, dignidade e propósito. Ao explorar esses versículos, somos levados a considerar as implicações práticas e espirituais dessa verdade bíblica em um mundo marcado por desafios sociais, éticos e espirituais.

Este artigo busca aprofundar-se na análise da narrativa bíblica considerando seu contexto, significado e impacto, além de conectar a verdade bíblica à vida contemporânea.

TEXTO-BASE


Gênesis 1.26-28

“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou. E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.”

FAÇAMOS O HOMEM À NOSSA IMAGEM E SEMELHANÇA


A declaração "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança" é marcante por utilizar o plural. Isso levanta questões importantes: com quem Deus está falando? Seriam os anjos? Se fosse assim, o homem também teria sido criado à imagem dos anjos?

No hebraico, o nome usado para Deus neste capítulo é "Elohim", um substantivo plural que aponta para a pluralidade na unidade divina. Isso nos leva à compreensão da Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo agindo em perfeita harmonia na obra da criação.

Esse entendimento é corroborado por outros textos bíblicos. João 1.3 declara que todas as coisas foram feitas por intermédio de Jesus, o Verbo divino, enquanto Jó 33.4 afirma que foi o Espírito de Deus fez o homem.

Portanto, quando Deus disse "Façamos", Ele estava dialogando dentro da comunhão intrínseca da Trindade, reafirmando que o ser humano é resultado direto dessa unidade criadora.

FEITO OU CRIADO?


O texto utiliza dois verbos distintos: “fazer” (asah) e “criar” (bara). O primeiro indica algo feito a partir de matéria preexistente, enquanto o segundo refere-se a criar algo a partir do nada, algo exclusivo de Deus.

Neste sentido, Hernandes Dias Lopes comenta que "Adão foi trazido à existência daquilo que já havia sido criado: o pó da terra. Mas o ser humano passou a ser alma vivente (2.7) não de algo que já existia, mas pelo fôlego de vida que Deus soprou em suas narinas".¹

Assim, a humanidade foi feita do pó da terra, mas só foi criada em alma vivente através do divino. Conforme disse Eliú, é a inspiração (ou o sopro) do Todo-Poderoso que nos deu vida (Jó 33.4).

O QUE SIGNIFICA IMAGEM E SEMELHANÇA?


Ao refletirmos sobre o fato de que o ser humano é fruto direto da criação divina, é interessante observar as contribuições dos pais da Igreja, tais como Agostinho de Hipona e Gregório de Nissa, que destacaram uma semelhança entre a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) e a natureza tripartida do homem (corpo, alma e espírito).

Essa analogia nos conduz a uma compreensão mais profunda do significado de sermos criados "à imagem e semelhança de Deus".

Neste sentido, assim como Deus é "três em um", o ser humano também reflete essa unidade na pluralidade, sendo composto por aspectos físico, emocional e espiritual. Contudo, é importante ressaltar que "imagem e semelhança" não se referem à aparência física, pois Deus é espírito (Jo 4.24) e não possui um corpo como nós.

A maioria dos estudiosos enfatiza que essa semelhança está relacionada a atributos intelectuais, morais e espirituais que compartilhamos com nosso Criador.

Semelhança Intelectual

A "imagem de Deus" inclui a capacidade intelectual que nos distingue dos animais. Deus é um Ser inteligente e Onisciente (Sl 139.1-6) que nos dotou de inteligência para que pudéssemos refletir um pouco do Seu conhecimento. Os seres humanos possuem uma capacidade intelectual superior, que os coloca acima dos "animais irracionais" (Jd 10).

Essa inteligência permite ao homem criar, inovar e compreender o mundo ao seu redor. Assim, a capacidade de raciocinar, comunicar-se e construir coisas novas, como tecnologias, é um reflexo da imagem divina em nós. Somos capazes de nos relacionar com Deus, por exemplo, através da linguagem, o que exige uma atividade intelectual.

Semelhança Moral

A semelhança moral com Deus é outro aspecto significativo da imagem divina. Deus é santo (Is 6.1-3), amoroso (1 Jo 4.16) e justo, e Ele espera que nós reflitamos essas características em nossas vidas. Jesus nos ordena: "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos céus" (Mt 5.48), enquanto o Senhor instruiu Israel a ser santo porque Ele é santo (Lv 11.45).

O ser humano foi criado originalmente puro e reto, possuindo personalidade (conhecimento, sentimentos e vontade), moralidade (liberdade e responsabilidade) e espiritualidade (capacidade de comunhão com Deus). Esses atributos nos distinguem como seres criados à imagem de Deus, habilitados a refletir Seus atributos comunicáveis, como amor, justiça e bondade.

Semelhança Volitiva

A liberdade de escolha é uma característica essencial que reflete a imagem de Deus em nós. Deus concedeu ao homem o livre-arbítrio, como visto em Gênesis 2.16, quando permitiu a Adão escolher livremente, mas também o responsabilizou por suas escolhas. Essa capacidade de decisão é fundamental para nossa moralidade e relacionamento com Deus.

Embora tenhamos sido criados com essa semelhança volitiva, a entrada do pecado no mundo corrompeu e deformou essa imagem, mas não a destruiu (Gn 9.6). Mesmo em nosso estado decaído, somos responsáveis por nossos atos (Ez 18.18-20; Rm 14.12).

Contudo, em Cristo, encontramos restauração e regeneração, sendo progressivamente transformados à medida que refletimos a glória de Deus em nossa vida.

Restaurando a Imagem Perdida

A entrada do pecado comprometeu a imagem e semelhança divina em nós, mas em Cristo, encontramos a esperança de restauração. A regeneração operada pelo Espírito Santo nos transforma à semelhança do nosso Criador, conforme lemos em Efésios 4.22-24 e Colossenses 3.9,10. Essa renovação é um processo contínuo, como a luz da aurora que cresce até o dia perfeito (Pv 4.18).

Essa restauração nos chama a viver de forma santa, a buscar uma comunhão mais profunda com Deus e a refletir Sua glória em nossas ações, palavras e escolhas diárias.

Reflexão

A criação do homem à imagem e semelhança de Deus é um convite a vivermos de acordo com o propósito divino, honrando nosso Criador em todas as áreas da vida. Embora essa imagem tenha sido corrompida pelo pecado, a obra redentora de Cristo nos possibilita recuperá-la e vivermos como reflexos da glória de Deus.

Para aprofundar essa reflexão, medite nos textos de Efésios 4.22-24, Colossenses 3.9,10 e Romanos 8.29, que nos convidam a uma renovação contínua, restaurando nossa semelhança com o Criador.

MACHO E FÊMEA, HOMEM E MULHER


Recentemente, um "pastor" afirmou durante sua pregação que apenas o homem foi criado à imagem de Deus, enquanto a mulher não. No entanto, um exame cuidadoso do texto bíblico dissipa essa ideia equivocada. Veja o que diz Gênesis 1.27:

"E criou Deus o homem [adam] à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou."

Ao analisarmos o texto no original hebraico, percebemos que o substantivo "homem" (heb. adam - אָדָם) é usado como uma referência à humanidade, e não apenas ao gênero masculino. O termo adam (Adão) significa, em seu sentido mais básico, "humanidade" ou "ser humano", e o verso deixa claro que tanto o macho quanto a fêmea são abrangidos por esse termo.

Essa ideia é reforçada no capítulo 5 de Gênesis, onde está escrito: "Macho e fêmea os criou, e os abençoou, e chamou o seu nome Adão, no dia em que foram criados" (5.2). Para ampliar a compreensão, vejamos como outras traduções bíblicas apresentam esse trecho:

Nova Almeida Atualizada (NAA): "Deus os criou homem e mulher, os abençoou e lhes deu o nome de Ser Humano, no dia em que foram criados."

Nova Versão Internacional (NVI): "Homem e mulher os criou. Quando foram criados, ele os abençoou e os chamou Homem."

Ambas as traduções mostram que adam refere-se à humanidade como um todo, sem distinção quanto à criação de macho e fêmea no que diz respeito à imagem e semelhança de Deus.

O Uso de "Adão" e "Eva"

Conforme já vimos, o termo adam ( Adão) foi utilizado inicialmente como uma designação genérica para humanidade, referindo-se tanto à mulher quanto ao homem. Porém, com o passar do tempo, esse termo passou a ser usado como nome próprio para o primeiro homem, enquanto a mulher foi chamada de Eva, que significa "vida" ou "mãe da vida".

Em outras palavras, apenas o macho continuou a ser chamado de Adão, daí termos o primeiro casal: Adão e Eva.

Igualdade em Essência e Valor

É fundamental destacar que tanto o macho quanto a fêmea foram criados à imagem e semelhança de Deus. Ambos possuem o mesmo valor essencial e compartilham das mesmas características que refletem a natureza divina, como inteligência, moralidade e espiritualidade.

Embora o texto bíblico apresente diferenças funcionais entre homem e mulher, essas distinções não implicam inferioridade ou superioridade. A criação de ambos à imagem de Deus reafirma a igualdade em dignidade e valor.

APLICAÇÕES PRÁTICAS


  • Dignidade Humana: Saber que todos carregam a imagem de Deus nos chama a tratar cada pessoa com respeito, independentemente de suas crenças, origem ou status social.

  • Chamado à Santidade: A semelhança moral com Deus nos desafia a buscar uma vida de pureza e integridade, espelhando o caráter divino em nossas ações.

  • Responsabilidade Ecológica: Como mordomos de Deus, fomos chamados a dominar a terra com cuidado e responsabilidade, protegendo o meio ambiente como parte da ordem divina.

  • Viver em Comunhão: Nossa capacidade de nos relacionar com Deus deve ser cultivada diariamente, por meio da oração, da leitura da Palavra e da comunhão com outros cristãos.

CONCLUSÃO


O texto de Gênesis 1.26-28 não é apenas uma narrativa histórica, mas uma declaração divina sobre quem somos e qual é o nosso propósito. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, chamados a refletir Seu caráter em todas as áreas de nossa vida.

Essa verdade nos lembra de que nossa identidade está enraizada em Deus, e não nas circunstâncias ou opiniões alheias. Além disso, ela nos convoca a valorizar a vida humana, buscar a santidade e assumir nosso papel como mordomos na criação.

Que possamos viver diariamente conscientes dessa grande honra e responsabilidade, permitindo que a regeneração operada por Cristo nos transforme à medida que refletimos a glória do nosso Criador.

Christo Nihil Praeponere – “A nada dar mais valor que a Cristo.”


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NOTA


¹ LOPES, Hernandes Dias. Gênesis - O Livro das Origens. Hagnos, 2021, p. 72.

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